Eram as nossas árvores

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Mihai Dascalu (1960)

Quando estávamos lá em cima, o tempo passava despercebido. Eram três as nossas árvores favoritas. Todas enormes e frondosas. Uma ficava atrás da casa dos meus pais, tinha folhas grandes e rígidas  (era uma daquelas árvores que têm vários cipós e uma raiz alta que vai longe). As outras, eram dois Flamboyants. A da casa da minha mãe, foi cortada para ceder espaço ao comércio. Tvs foram acionadas, fizeram matérias, mas tudo em vão. Os adolescentes da quadra (que brincaram nela na infância) fizeram uma roda ao redor dela, foi um chororô danado pra não cortarem. Mas, claro que cortaram. As outras duas vivem até hoje e ficam no canteiro entre duas ruas, também na 716 norte.

Eu morei num prédio lá perto, depois que minha filha nasceu e nós passávamos por elas quando íamos a pé pra casa da minha mãe. Olhava a minha preferida e a admirava. Mentalmente lhe cumprimentava, íntima. Adoro aquela árvore. Ela é boa de subir. E na minha infância essas árvores tinham uma parte baixa, no tronco, perfeita pra apoiar o pé e pegar embalo na subida. Já eram enormes. Hoje são gigantes. Alternávamos entre as três árvores. Eram nossos “points” da tarde, depois da escola. Era batata. Eu chegava da aula almoçava e ligava pra Cecília, minha vizinha, amiga mais antiga, amizade que dura até hoje. “Ciça tô indo pra árvore tal”. Em minutos ela chegava. Minha irmã mais nova, Vânia, também era frequentadora assídua, íamos juntas.

Muitas vezes eu levava meus cadernos e fazia o dever lá em cima. As vezes brincávamos de casinha, cada uma morando numa, ou as três numa só, cada galho um quarto. O Flamboyant tem aquela vagem grande marrom onde ficam as sementes. Eram nossos telefones. O formato perfeito. Outras vezes ficávamos lá, sentadas à toa. Tardes e tardes. Pegando um ventinho, batendo papo. Cada uma de nós tinha seus galhos preferidos. Às vezes subíamos até quase o topo, bem alto. E sabe que a gente nem tinha medo. Para nós, era como se elas falassem: “Fiquem tranquilas meninas, que daqui vocês não caem”. E nunca nenhuma de nós três caiu, nem pensávamos nisso. Nossos pés pareciam ficar aderentes aos galhos. Eram largos e com uma textura boa de pisar. Ao redor sempre tinham galhos finos que a gente ia se segurando. Bom demais.

Era aquela sensação de esquecer do mundo. Elas nos davam muito bem estar, aquelas árvores. As vezes passava um menino ou outro da nossa idade, da rua mesmo, nossos amigos da quadra. E subia um ou mais e a árvore ficava lotada, com a molecada em peso. Não tinha tempo ruim, era durante a semana fim da tarde, era fim de semana, vixi, tinha fim de semana na hora do almoço, a gente subia até com o prato na mão e almoçava lá em cima da que ficava no jardim da minha mãe. Hoje o jardim é pequeno. Foi divido pela metade. A área onde tinha nossa árvore era área verde, cerrado, mas era área pública. Agora lá agora existe um asfalto e comércio.

Meus filhos às vezes, raramente, sobem em pequenas árvores por aí, em algum estacionamento, coisa do tipo. Tentam, se penduram nos galhos, mas não tem a cultura de brincar em árvores. São outros tempos. Não é igual a subir numa árvore frondosa, grandona, imponente. Quando eu saio de carro com meu marido dirigindo, vou olhando as árvores nas ruas. E analisando mentalmente com olho crítico: “Essa é boa de subir. Essa não. Nossa, essa é ótima”. Gostaria que meus filhos subissem nas árvores que a gente subia mas já não dão mais. Os Flamboyants ficaram gigantescos, os troncos retos, lisos e muito altos. Não tem mais apoio. Mas ainda são as nossas árvores maravilhosas, acolhedoras, aconchegantes, refrescam os passarinhos e quem passa por ali. Na minha casa atual eu plantei alguns pés enxertados, como dizem. Estão pequenos. E o Giordano, um amigo otimista me deu aquela animada: “Quando a Helena e Heitor estiverem adultos, vão poder subir numa delas. Ou talvez seus netos”.

4 comentários sobre “Eram as nossas árvores

  1. Joana, adorei! Alguns detalhes nem me lembrava mais, mas a sensação também ainda está viva pra mim. Realmente, amávamos subir em árvores. Tivemos uma infância de interior em pleno Plano Piloto, né? Lá em casa sempre lembramos de como essa fase foi maravilhosa, os amigos, as brincadeiras, a liberdade, a bagunça… E não desanime, não, em frente à casa dos meus pais ainda tem uma mangueira e uma jaqueira que eles plantaram quando se mudaram pra lá. E só me lembro delas já grandes. Uma árvore não demora tanto tempo assim pra ficar pronta pra uma criança! Espero que a Helena ainda possa desfrutar muito desse prazer. E quando ela estiver mocinha já planeje que árvores irar plantar pros seus netos!

    Aquele dia que nos encontramos na frente da casa da sua mãe, fiquei pensando como passamos tanto tempo sem nos encontrar e temos a mesma intimidade, como se tívessemos nos visto no dia anterior.

    Beijo grande, Ciça

    1. Ah! Vou colocar esse post no meu blog, tá? Ele está abandonadinho, mas quero deixar essa história lá 😉

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