Eu gostarei de saber

O que ela tinha que fazer era simples. Olhar para câmera, direto na lente, dizer o nome, estado, profissão e em seguida fazer a pergunta para um ou vários parlamentares. As duas jovens irmãs eram turistas de Natal. Cabelos e maquiagens impecáveis, saltos com toc toc que ecoavam no salão branco da Câmara dos Deputados, muitos adereços e perfumes. Eram marcantes. Estavam na visita de sábado do Congresso Nacional e toparam participar do nosso plantão.

Formularam suas perguntas, uma queria saber algo sobre o Estado delas e a outra um assunto mais geral. A irmã mais velha pediu cinco minutos para escrever e elaborar melhor sua pergunta. Enquanto a equipe da TV gravava com outros visitantes do Congresso, ela se organizou e logo após voltou, pronta. Tinha um papel nas mãos com as anotações.

Então leu para mim e para o cinegrafista, com um belo e hipnotizante sotaque. “Senhores parlamentares, eu gostaria de saber o que os senhores acham da Heloisa Helena se candidatar a Presidência da República”. Ok, a gente disse, vamos gravar.

Ela respirou fundo, olhou para a câmera, falou seu nome e profissão (farmacêutica) e iniciou “Senhores parlamentares eu gostaria…” Parou. Olhou para nós dois. Pensativa ela comentou em voz alta, “eu gostaria é se eu não quisesse mais, no caso é eu gostarei”, enfatizou. Ok, pode ser, respondi.

Enquanto ela gravava, eu voava longe, pensando na regra gramatical a qual fomos informados ali… raciocinei comigo mesma e criei a minha própria teoria: quando alguém usa o futuro do pretérito, não é que a pessoa não quer mais. É só uma forma gentil de dizer que a pessoa quer algo, apenas se o outro quiser também. Uma forma educada de se comunicar. Vejam: eu gostaria de saber, quer dizer na verdade: se o outro quiser falar eu vou gostar de saber. Oras. Era certo sim, eu conclui.

Enfim. Ela prosseguiu. “Senhores parlamentares, eu gostarei de saber o que os senhores acham da Heloisa Helena…” Parou de novo. Argumentou com a gente. “Se candidatar não. Pleitear é melhor não é? Sim, pode ser, respondemos. Ela continuou. “Senhores parlamentares, eu gostarei de saber o que os senhores acham da Heloisa Helena pleitear a presidência…” Silêncio.

O cinegrafista deu stop e eu fiquei quieta. Ela calada olhou por alguns segundos de cabeça baixa para o papel que estava nas mãos e riscou de novo. Escreveu explicando: quem pleiteia, pleiteia alguma coisa. O cargo de presidente é melhor. Espera um minuto, ela pediu. Ela disse que ia passar a anotação à limpo pois estava muito bagunçada. Ficamos ali estáticos e mudos.

Enfim ela escreveu sua frase, muito bem elaborada e leu antes de gravar, completinha, em alto e bom som. Afirmou, agora vai. E realmente desta vez foi. “Senhores parlamentares eu gostarei de saber, o que os senhores acham da Heloisa Helena pleitear o cargo de Presidente da República”.

Suspirei fundo. Batemos palmas quase eufóricas, de fome, pois já passava das quatorze horas. Depois dela, foi a vez da sua irmã que gravou rapidinho, sem escrever nada, deu tudo certo de primeira e elas saíram felizes e fagueiras. Ufa, eu disse para o cinegrafista. Ele só me olhou e respondeu, “eu gostarei de ir pra casa almoçar, agora”.

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