Pitangas

Saboreando as pitangas da minha casa, me vem à cabeça uma lembrança de conforto. Nada lembra mais minha família, a casa da mamãe e toda nossa união, do que pitangas. No jardim da casa dos meus pais, a casa da minha infância e adolescência, havia uma pitangueira idolatrada por todos. Minha mãe conta que todas as casas que morou tinha uma pitangueira. Esse azedinho, docinho e amarguinho da pitanga me trazem um pouco de tudo, um sentimento misto de saudade e esperança. Quando eu voltei para cá, para o condomínio que morei, que criei meus filhos, enfim, para o meu lar na vida adulta, voltei muito agradecida pela casa que conseguimos encontrar. Para mim foi quase um milagre pois o preço era o que podíamos e aqui é difícil achar casa. Então, no meio dos meus planos, de confusão de vende casa compra apartamento, vende apartamento procura outra casa (eita que a vida dá cada guinada louca pra um lado e pra outro) então, quando conseguimos voltar, para o lugar ideal, que eu sempre amei, pareceu sim, um milagre. Assim que cheguei, me deparei com uma casa árida, igual meu coração estava. Cuidei dela e de mim. A única vida latente no jardim era uma pitangueira. Havia um jardim completamente seco, sem nenhuma vida, além dela. Mal cuidada, cheia de aranhas dentro, folhas secas, tristinha a minha Pitangueira estava. Hoje um ano meio depois ela está linda. Tem até um ninho de Sabiás dentro dela, que maravilha! Ela está feliz, visivelmente, parece outra árvore. Todos os dias quando olho suas folhas verdes brilhando no sol, sinto ela dizer obrigada por vocês estarem aqui, acho que ela fala. Eu também sou muito grata por ela ter resistido até nossa chegada.  Sou grata a ela que foi minha esperança de um início de vida nova. Foi muito significativo a Pitangueira no meu novo recomeço. Hoje nós duas estamos realizadas no nosso lar. Eu já lhe contei o quanto foi importante e ela me deu muitas pitangas em agradecimento. Minha casa está cada dia mais gostosa, do meu jeito. É a casa que mais gostei de todas. Certeza. Essa casa me abraça e a Pitangueira sorri para mim e quando eu preciso, choro as minhas pitangas* para ela que é uma excelente ouvinte!

*Foi a partir de um antigo vocábulo português, “chorar lágrimas de sangue”, que a expressão “chorar as pitangas” surgiu e é usada no Brasil para designar o ato de chorar, lamentar ou reclamar.

De origem indígena, a palavra “pitanga” significa vermelho, uma analogia feita pelos índios entre o sangue e a fruta, dando sentido à ideia existente por trás da expressão como ela é conhecida hoje, quando os olhos ficam vermelhos de tanto chorar.

Porém, essa não é a única tese que pode explicar a origem da expressão, embora seja a mais provável. Outra hipótese é que a expressão tenha outra analogia, a de alguém que chora demasiadamente, como criança, por a palavra “pitang”, da língua guarani, significa “menino”.