As moscas

Certa vez ele comprou um spray de citronela, usado para aplicar em orelha de cavalos. Era pra passar no seu cão. As moscas pousadas nas costas do cachorro, na tarde quente da varanda, lhe traziam uma angústia. Elas não poderiam estar lá. Isso ia muito além da possibilidade de bichos ou doenças que o animal pudesse vir a ter. Analisando a angústia com as moscas que insistiam em permanecer ali sem autorização, sentadas no seu cachorro, se lembrou de uma cena vivida.

Ele estava com sua esposa no Nordeste, de Lua de mel, num povoado bem pobre, próximo ao mar, hospedados em uma bela e confortável pousada. Era um vilarejo machista. Quase não se via mulheres, elas ficavam em casa fazendo artesanato de palha e cuidando dos afazeres domésticos. Sua esposa ficou amiga de um pequeno morador. Aquele menininho passava todos os dias por ali, magrelo e alegre. E com o menino, ela conseguia conversar. Logo se tornaram íntimos. Mas, e as moscas? Por que se lembrara disso ao olhar para varanda de sua casa?

Recordou-se de sua mulher saindo com a câmera fotográfica, puxada pelo pequeno morador e dizendo que ia na casa ao lado conhecer a família dele ). A noite sentados na cama confortável da pousada, o casal olhava as fotos pelo visor da máquina. “Ele insistiu tanto para eu ir fazer fotos deles”, desabafou a esposa ao marido.

A mulher contou então como foi a visita “A casa era de palha com parede de barro. Dava até para ouvir o barulho do nada. Não havia nenhum móvel na sala. Entrei e vi um homem sentado no chão. O pequeno sorridente disse, papai essa é a minha amiga que veio bater foto da gente.” E a esposa continuou o relato. “O pai estava coberto de moscas. Encostado na parede me deu boa tarde. O homem parecia tão sem propósito…” disse emocionada. “Tudo tinha moscas, tudo era parado e quente. Ainda que fosse vídeo seria parado”.

Respirou fundo e prosseguiu. “O menino me levou pela mão ao cômodo do lado onde sua mãe estava. Em pé ela cozinhava em latas de tinta, mexendo algo devagar. Então meu pequeno amigo disse: _mamãe a gente veio tirar fotos. A mãe sorriu envergonhada: _nossa nem me arrumei, me respondeu. Por fim fomos as fotos. Resolvi colocar ela na janela por dentro e fotografar por fora. O pai também participou, pela insistência do pequeno”, descreveu. “Ao sair da casa reparei que tinha um bebê dormindo no chão numa esteira de palha, consegui ver por um fino paninho que fechava a porta”, finalizou.

O casal guarda as fotos com carinho. Mandaram cópias pelo correio para o dono da pousada entregar ao menino. E a lembrança da imagem das moscas retratadas verbalmente pela sua esposa jamais lhe sairia da cabeça. A imagem do estático, do abandono, da falta de sonho. Malditas moscas.

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